Carta 13

13. Carta de notícias enviada por Mário Pedrosa a Lívio Xavier. Berlim, sem data, provavelmente do meio de dezembro até 24 de dezembro de 1927. Original. 7 folhas. (Contém marginália nas folhas 1 e 7). [Livio-s-d-03]

[fl. 1]

Na margem superior, ao centro: A data desta – não é possivel. Ficou muitos dias – uma parte escripta. Hoje é 24. Bôas festas. Me escreva depressa que estou precisando. Por via das duvidas mande pro Consulado: Kurfürstendamm, 170 (Brasilianisches Konsulat)

Livio!

Afinal resolvi te escrever. Estou aqui ja ha muito tempo.1Mário Pedrosa foi enviado para a União Soviética pelo PCB, para fazer a Escola Leninista. Ele chegou a Berlim em novembro de 1927, mas ficou doente e não viajou imediatamente para Moscou. Como ele conta nesta carta, os acontecimentos na URSS e as discussões com oposicionistas levaram-no a desistir de seguir viagem.

Devia estar em Moscou. Mas… Pensei quando cheguei que estava fóra de tempo. Depois houve tempo ainda. Na vespera da partida, ja de passaporte visado etc – uma grippe com dor nas costas, do lado máu, que pensei tinha chegado a vez. Vim pro quarto com medo, fazer o testamento. (…) Felizmente o medico é de graça, brazileiro (…). Dura 8 semanas o tratamento. Desanimei. Depois dessa embrulhada toda – (uma semana quasi sem sair de casa, com vontade de morrer) – ainda estou esculhambado, mas não voltei ainda á Central. E agora estou com vergonha. Dizer essas cousas é páu. Sobretudo na minha situação. No dia 15 devia partir para Moscou. Você tem razão: o futuro a deus pertence. ––

Hoje está fazendo um frio tremendo. Ja fez até 12 gráos abaixo de zero, onde móro. Em certos logares – fez 14 e 17. Agora, no thermometro da janella do meu quarto – está marcando 11 gráos! Não é canja a gente sair na rua com esse tempo. ––

Varei muitas noites sem dormir pensando na minha situação.

Você ja viu que vivo cada vez mais encrencado. ––

Na margem esquerda: Pensei estar melhor: hoje com a mudança de temperatura brusca e chuva e degelo – a humidade está tremenda (de 15º abaixo passou de noite a 6º acima) (Na rua só lama e agua) – não me sinto bem. Só saio á rua hoje pra comer. Adeus. Abraços Mario.

Um abraço na Mary. A Dona Arinda devia ter chegado hontem, 23, a Paris, segundo 1 carta que recebi de Elsie.2Arinda Houston, mãe das irmãs Mary, com quem Pedrosa se casou, e Elsie, cantora lírica que na época vivia em Paris.

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Talvez ainda possa ir. Pois o tempo não é tão apertado assim, foi pelo menos o que pude aprehender lá na Central.

Um, de lá, me conversou em allemão. Entendi o essencial, mas pedi pinico. Perguntei si ninguem fallava francez. Ninguem na hora. Afinal veiu uma camarada, sympathica, de blusa, elegante, mas com ar de professora, e cabelos bem penteados, lisos, e me fallou em inglez. (Elles pensam que nós falamos inglez no Brasil!). Fallei-lhe um inglez impossivel de misturado com o allemão (E está cada vez peior) Afinal nos entendemos bem. E ella me disse que havia tempo. E fôsse immediatamente ao consulado polaco (tomasse um carro) e só dissesse lá o que me fôsse perguntado. (E de facto foi o que fiz. E nesse mesmo dia visei o passaporte) Depois voltasse á Central para ir á embaixada sovietica, no dia seguinte, e nesse mesmo ás 7 horas da noite, partir. E deu-se a cagada. Antes porem ja tinha hido lá diversas vezes, inutilmente. Pela 1ª vez e sem se conhecer o allemão é difficil achar-se. Tem horas certas pra se falar etc. Uma vez afinal, acertei. Me anunciei ao camarada porteiro, disse quem era, o que queria e pedi pra falar com um camarada da Central que falasse francez. O homensinho me respondeu que “eu não precisava pois que estava falando com elle aquillo tudo em allemão”!! Fiquei safado. Afinal mostrei-lhe o lenço – com a identidade – pediu-me a carta do partido. E o passa-porte. Levou lá pra dentro. Me poz numa saleta, esperando. E voltou perguntando se eu tinha dinheiro. Ja antes muito havia ido tambem a Rote Fahne.3O jornal Die Rote Fahne (A Bandeira Vermelha) era o órgão central do Partido Comunista da Alemanha (KPD) desde sua fundação, em 1º de janeiro de 1919.

Aliás no 1º dia que fui lá, no domingo da chegada, não encontrei. Depois vi que o predio estava fechado. Calculava encontrar 1 grande placard na varanda da rua, mas nada.

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Não mandei dizer nada disso lá pra casa. A Mary escrevi um cartão que não dava todas as razões, você comprehende.

– Agora, aqui pra nós. Desanimei duma vez de ir, hoje mesmo que te escrevo. – O congresso bolchevique do P. R. – expulsou Trotzky e opposição do partido! Acabou assim com a opposição.4O Comitê Central do Partido Comunista da URSS expulsou Leon Trotsky e Grigori Zinoviev, líderes da Oposição Unificada, no meio de novembro. O 15º Congresso do PC, realizado de 2 a 19 de dezembro, avalizou a decisão e foi além. Determinou a liquidação de toda atividade de oposição e a expulsão de todos os integrantes da Oposição Unificada e do bloco chamado de “centralistas democráticos”. O jornal do PC francês, L’Humanité, cobriu o congresso desde o primeiro dia e anunciou a expulsão de todos em 20 de dezembro.

Vocês ja receberam ahi – a plataforma da Opposição, assignada por Trotzky, Zinoviev etc – apresentada ao congresso do partido. Ja vi em allemão. Vou até mandar pro Coutinho.5Em setembro, o CC russo proibira a divulgação da plataforma da Oposição Unificada. Por isso Pedrosa diz que vai enviar uma cópia a Rodolfo Coutinho, da direção do PCB. Coutinho fora à União Soviética em 1924, como delegado do 5º Congresso da Internacional Comunista, e depois ficara na Alemanha até julho de 1926. Nesse período tomara contato com as teses da oposição de esquerda e, na volta ao Brasil, começara um processo de críticas à orientação do partido. E mandei pedir em França – em francez, que ha tambem. Pelas leituras, por alto, que posso fazer de Rote Fahne – vi logo que acabava nisso.

Vocês têm recebido Clarté? Nunca mais vi alguma. Ja escrevi ao Naville, pedindo, e respondendo a carta delle.6A Clarté foi uma revista de discussão política e cultural lançada em 1921 por intelectuais comunistas internacionalistas. Originalmente ligada aos surrealistas, acabou por vincular-se ao PC francês. Em 1926, o surrealista Pierre Naville aderiu ao partido e assumiu a direção da revista. Mas no fim do ano seguinte ele entrou em choque com a política da Internacional Comunista, condenou a expulsão de Trotsky e passou a defender as teses da oposição de esquerda.

Andei animado pra ir – e fazendo força mesmo. Ainda hoje de manhã amanheci resolvido a voltar hoje mesmo ao partido, me apresentar e acabar os demarches – ir á embaixada sovietica – isso – pelo que me disseram – é um instante – e zarpar, pois parece que ainda ha tempo. Mas – quando vi no Humanité a resolução publicada hontem – não foi sorpreza, pelo contrario – foi como uma desgraça que ja se estava esperando. Que deve a gente pensar? Ja tenho tido desejos de procurar o Guilbeaux7O jornalista Henri Guilbeaux, que na época era correspondente do L’Humanité e vivia em Berlim. – para me encostar a elle – e fazer-me camarada delle para conversarmos. Mas éssa serie de contratempos não me deu opportunidade ainda para isso. Preciso primeiro saber do endereço delle. Na Rote Fahne perguntei – o camarada não sabia. Perguntei se havia outro camarada do partido francez aqui, me disseram que não.

Vamos ver se o Naville me responde. Agora não existe mais a questão

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da oposição. Que attitude tomará ella? E estes orgãos meio sympaticos como Clarté e Naville, Victor Serge8O escritor Victor Serge, que estava na URSS desde fevereiro de 1919 e de lá enviava artigos para a Clarté. Membro da Oposição de Esquerda, em 1927 ele passou a escrever críticas violentas ao PC da URSS e à 3ª Internacional, em especial sobre a situação na China. Foi expulso do partido em 1928. etc como farão agora, poderão continuar com a mesma liberdade?

Quero primeiro resolver o meu caso – si vou, se não vou, ver o que resolvo de acordo com a Central. Depois então vou procurar o Guilbeaux.

– Ha aqui agora uma exposição de commemoração ao decenário dos soviets. Fui ver. Cartazes, disticos, estatisticas, etc, propaganda. Interessante. Na casa de Liebknecht – onde é a séde do partido.

Photografias do tempo da revolução. Terror branco. Obra realisada. Livros, literatura. Gravuras, graficos Etc. Vi retratinhos dos chefes pra vender sobretudo Staline, Bucharine. De Trotzky nenhum. Livros bons. O Materialismo e Empyrocriticismo, de Lenine acabado de aparecer.9Materialismo e Empirocriticismo – notas e críticas sobre uma filosofia reacionária foi publicado por Lenin em 1909, antes da revolução. O livro pode ser lido em português no site do Arquivo Marxista na Internet (MIA). Etc.

Mas tudo em allemão. Uma pena. Ha tambem aqui – um teatro communista – dirigido por um comunista, parece que muito bom. O Piscatorbühne (scena de Piscator) Piscator é o nome do director. Levam agora uma peça do Alex Tolstoy – muito moderna, de technica etc: Rasputin, o Romanov, a Guerra, o Povo etc. É o titulo. Os personagens são esses typos. O Kaiser também estava representado, mas protestou. E o governo prohibiu que saisse a figura delle: O papel foi suprimido: apenas é lida em scena a decisão do Ministro republicano prohibindo offensa ao Kaiser. Ainda não fui ver. Espero ir mais adiante, por causa do allemão.

Levaram antes uma peça do Toller. Depois – adaptarão ao theatro – uma obra dum poeta tcheque, morto moço, 3 Soldados que foi comparado ao D. Quichote.10O dramaturgo e produtor teatral alemão Erwin Piscator, um dos principais expoentes do teatro politico, fundou o grupo Piscator-Bühne em Berlim, em julho de 1927, com a peça Hoppla, wir leben (Opa, estamos vivos), do dramaturgo alemão Ernst Toller. Em outubro o grupo estreou Rasputin, os Romanov, a guerra e as pessoas que se levantaram contra eles, adaptação de uma novela do escritor russo Aleksei Tolstoy. Em 1928, apresentou As Aventuras do Bom Soldado Schwejk, baseado em uma novela satírica do escritor tcheco Jaroslav Hašek. É uma revelação fabulosa e

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muito recente. Um nome que se vê muito aqui nas vitrines é o Sinclair, e o John dos Passos, grande sucesso.11Provavelmente o escritor americano Upton Sinclair, ativista e membro do Partido Socialista dos EUA até 1934. E o novelista americano John Dos Passos, simpático ao comunismo nessa época.

Vou dormir que o somno com uma tormenta vêm ahi. Ja é tarde faz um frio danado e não posso mais sair nem tenho dinheiro para ir comer qualquer cousa. ––

Hoje (21) é que soube que o Trotzky e o Zinoviev ja tinham sido expulsos desde o dia 14 de Novembro! E o resto da oposição é que foi agora expulso, Radek, Rakovsky, Kamenev, etc etc.12Karl Radek, Christian Rakovsky e Lev Kamenev, todos da Oposição Unificada. Com a expulsão no 15º Congresso, a direção exigiu dos oposicionistas que renunciassem às suas teses e as rejeitassem de forma explícita. Os que não aceitaram foram ainda condenados ao exílio interno. Foi o caso da maioria, entre os quais Rakovsky, Radek e Ievgueni Preobrajensky.

L’Huma, de hontem, 20, dá a resolução do congresso: 94 novas expulsões. E dá tambem a noticia que Zinoviev e Kamenev e mais 10 membros da opposição capitularam: mandaram ao presidium uma declaração disendo que se submettem sem restrições ás exigencias do partido, reconhecem os proprios erros, renunciam a propagal-os e solicitam a readmissão no partido. O Congresso julgou impossivel examinar esta declaração. Questão de processo de reintegração: só dentro de 6 meses, cada pedido examinado individualmente, se ficarem direitinhos, A juizo do Comité Central. Um buraco. – Em que vae dar tudo isso. Vamos a ver a attitude de Trotzki. Historicamente o partido tem razão. Mas o que temo são as inimisades pessoaes, as intrigas pessoaes contra o Trotzky. O odio que ha la dentro contra elle.

Na China houve agora um estertor – e por algumas horas os operarios tomaram Cantão. Depois perderam e a reação está arrasando tudo.13No começo de 1927, o Kuomintang (Partido Nacionalista) rompeu a aliança com o PC chinês e passou a atacar os comunistas, promovendo massacres em várias cidades. No meio do ano, o PC estava em frangalhos, com sua base urbana destruída e sua força militar reduzida e desgastada. A Oposição de Esquerda defendia uma retração que permitisse ao PC se recuperar, mas a 3ª Internacional, que impusera a aliança, deu um giro de 180 graus e ordenou que o PC promovesse levantes armados nas cidades. Em 11 de dezembro, cerca de 20 mil comunistas tomaram Cantão de surpresa e estabeleceram um soviete. Mal armados, acabaram esmagados pelas forças do Kuomintang três dias depois. Doriot escreve um artigo no Humanité14O dirigente do PC francês Jacques Doriot. – dando isso como a nova physionomia

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do movimento revolucionario na China. E dá tudo – como um brilhante resultado da tactica da 3ª Internacional: a luta agora esclarecida – o partido comunista só. Quer dizer dá – o resto que foi salvo da derrota, ainda em tempo, como uma conquista brilhante da politica da Internacional. O movimento revolucionario chinez está agora definido – e o Kuomintang desmascarou-se reacionario etc – quer dizer, a luta de classes esclarecida – como um fruto da politica da Internacional! Desse jeito – tudo é bom. Não ha politica que não dê certo: pois toda luta politica – é para definir a posição inconciliavel das classes, sobrepondo uma sobre a outra! Assim justifica elle a Internacional e ataca a opposição que foi pessimista por má fé. E dá a creação e o augmento do partido comunista como resultado e tambem a organisação do operariado chinez – como objectivo que se conquistou da luta politica pela independencia da China!

Li no Huma a declaração da capitulação do Zinoviev Kamenev etc.15Publicada em 22 de dezembro. É bôa. Diz que a resolução do congresso põe deante de cada opposicionista – a questão de sua actividade ulterior para com a revolução proletaria. E que é impossivel servir A Causa – fóra do partido comunista ou creando um segundo. São obrigados pois a submetterem-se á vontade do Partido, que é o unico diretor da revolução proletaria e o unico juiz supremo do que é util ou prejudicial ao movimento victorioso da Revolução.

É, como se vê, a formula do Trotzki. Agora resta a saber as cousas como se passam lá dentro na intimidade: as intrigas, os odios etc, as manobras. Em França ja vi annunciado em L’Huma folhetos – que pelo que parece – é de injuria contra o Trotzki etc. Este parece que ainda não fez nenhuma declaração. Será possivel que elle fique alijado duma vez do movimento revolucionário mundial? E que se contente com uma outra actividade individual – no campo teorico e intellectual somente?

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Talvez seja a isto – a que o queiram redusir – Buckharine, Stalin etc. O erro da opposição, fundamental, é que ella ficou sem a massa. Agora, depois dos factos consumados – expulsão etc – a razão individual delles só não basta. O partido tem razão pois historicamente contra elles. Trotzky comprehende tudo isso. Que irá fazer elle? Se contentará, fóra do partido, á uma attitude de méro intellectual? Um homem como elle: o maior revolucionario depois de Lenine, depois de Lenine – a maior legenda revolucionaria no espirito mesmo da massa? A grande superioridade, a superioridade genial de Lenine sobre Trotzki – foi justamente – a creação do partido bolchevik – que Trotzky não soube ou não quiz crear. Dahi, tudo se deriva. No dia da revolução quando Lenine poz pra funcionar a arma nova, a machina nova de fazer a revolução – que elle inventou – Trotzki foi um aperfeiçoamento technico da machina – uma peça essencial, a alma talvez da machina – na hora de funcionar. E Trotzki acabou comprehendendo isso – e nunca quis se separar da machina – reconheceu a superioridade de Lenine. Talvez Trotzki nunca podesse crear o partido – por incapacidade de organisação psychologica. É agora que elle vae mostrar se aprendeu ou não a lição de Lenine e se sofre mesmo dessa inhibição psychologica.

Se aprendeu – sua função historica ainda não terminou e ainda pode fazer grandes cousas, acredito, apesar de seus inimigos. (Tenho sempre quasi a convicção – que grande parte – do que succedeu a Trotzki – vêm de odios pessoaes contra a pessôa delle = e talvez seja isso a grande difficuldade para que elle consiga ainda a tomar pé nos acontecimentos historicos como um dos grandes chefes da 3ª internacional. Não só – por causa da acção dos inimigos contra elle como da sua propria reação a esta acção, não só do ponto de vista do amor-proprio como da consciencia de que contra a má vontade dos inimigos – é inútil tentar qualquer gesto, e largar de vez uma organisação, mesmo a Internacional, cujos chefes, que têm a direção incontestada, não o querem mesmo.

É verdade que mesmo neste caso – fica sublinhada a superioridade de Lenine sobre elle: não se concebe Lenine expulso dum partido ou alijado do movimento revolucionario – por conchavos e intrigas dos chefes do organismo revolucionario mundial. Trotzki está nesta situação actual – prova contra elle em relação a Lenine. Confirma tambem muita cousa do Eastman.16O escritor americano Max Eastman, ativista de tendências socialistas. Esteve na URSS entre 1922 e 1924, onde se aproximou de Trotsky e acompanhou de perto as disputas internas do PC e a ascensão de Stalin. De volta aos EUA, tornou-se um crítico do regime stalinista e escreveu vários livros e artigos a respeito.

E que o genio – o individuo – na historia é cousa muito seria. E que para a eleição dum papa como para se transformar a face das cousas – as mais ridiculas e mesquinhas safadezas dos homens entram tambem como um grande factor. A gente hoje sabe que agindo certo ou errado – o partido – tem sempre razão. Mas os grandes problemas que estavam no ar – não foram resolvidos, mas suprimidos. Que é tambem uma maneira de resolvel-os, afinal. A hora é dura – e a gente tem de ser lucido, – disciplinado e coerente. Do meu ponto de vista pessoal – uma desolação. Sahí tão acabrunhado quando vi tudo consumado que – no restaurante onde como – um russo qualquer que lá tambem come – e com quem nunca fallei – me perguntou si eu não estava muito triste

(Continua na margem esquerda) pois a minha fisionomia denotava que alguma couza me tinha acontecido ou estava sentindo.

E como é que vou pra Russia assim? Me diga se é ou não é 1 situação filha da puta a minha. Veja lá que esta carta não é toda dos outros, você comprehende. Abrace os amigos, me dê noticias delles e me escreva depressa. Mario.

Notas

1. Mário Pedrosa foi enviado para a União Soviética pelo PCB, para fazer a Escola Leninista Internacional. Ele chegou a Berlim em novembro de 1927, mas ficou doente e não viajou imediatamente para Moscou. Como ele conta nesta carta, os acontecimentos na URSS e as discussões com oposicionistas levaram-no a desistir de seguir viagem.

2. Arinda Houston, mãe das irmãs Mary, com quem Pedrosa se casou, Celina e Elsie, cantora lírica que na época vivia em Paris.

3. O jornal Die Rote Fahne (A Bandeira Vermelha) era o órgão central do Partido Comunista da Alemanha (KPD) desde sua fundação, em 1º de janeiro de 1919.

4. O Comitê Central do Partido Comunista da URSS expulsou Leon Trotsky e Grigori Zinoviev, líderes da Oposição Unificada, no meio de novembro de 1927. O 15º Congresso do PC, realizado de 2 a 19 de dezembro, avalizou a decisão e foi além. Determinou a liquidação de todas as atividades oposicionistas e a expulsão de todos os integrantes da Oposição Unificada e do bloco chamado de “centralistas democráticos”. O jornal do PC francês, L’Humanité, cobriu o congresso desde o primeiro dia e anunciou a expulsão de todos em 20 de dezembro.

5. Em setembro, o CC russo proibira a divulgação da plataforma da Oposição Unificada. Por isso Pedrosa diz que vai enviar uma cópia a Rodolfo Coutinho, da direção do PCB. Coutinho fora à União Soviética em 1924, como delegado do 5º Congresso da Internacional Comunista, e depois ficara na Alemanha até julho de 1926. Nesse período tomara contato com as teses da oposição de esquerda e, na volta ao Brasil, começara um processo de críticas à orientação do partido.

6. A Clarté foi uma revista de discussão política e cultural lançada em 1921 por intelectuais comunistas internacionalistas. Originalmente ligada aos surrealistas, acabou por vincular-se ao PC francês. Em 1926, o surrealista Pierre Naville aderiu ao partido e assumiu a direção da revista. Mas no fim do ano seguinte ele entrou em choque com a política da Internacional Comunista, condenou a expulsão de Trotsky e passou a defender as teses da oposição de esquerda.

7. O jornalista Henri Guilbeaux, que nessa época era correspondente do L’Humanité e vivia em Berlim.

8. O escritor Victor Serge, que estava na URSS desde fevereiro de 1919 e de lá enviava artigos para a Clarté. Membro da Oposição de Esquerda, em 1927 ele passou a escrever críticas violentas ao PC da URSS e à 3ª Internacional, em especial sobre a situação na China. Foi expulso do partido em 1928.

9. Materialismo e Empirocriticismo – notas e críticas sobre uma filosofia reacionária foi publicado por Lenin em 1909, antes da revolução. O livro pode ser lido no site do Arquivo Marxista na Internet (MIA).

10. O dramaturgo e produtor teatral alemão Erwin Piscator, um dos principais expoentes do teatro politico, fundou o grupo Piscator-Bühne em Berlim, em julho de 1927, com a peça Hoppla, wir leben (Opa, estamos vivos), do dramaturgo alemão Ernst Toller. Em outubro o grupo estreou Rasputin, os Romanov, a guerra e as pessoas que se levantaram contra eles, adaptação de uma novela do escritor russo Aleksei Tolstoy. Em 1928, apresentou As Aventuras do Bom Soldado Schwejk, baseado em uma novela satírica do escritor tcheco Jaroslav Hašek.

11. Provavelmente o escritor americano Upton Sinclair, ativista e membro do Partido Socialista dos Estados Unidos até 1934. E o novelista americano John Dos Passos, simpático ao comunismo nessa época.

12. Karl Radek, Christian Rakovsky e Lev Kamenev, todos da Oposição Unificada. Com a expulsão no 15º Congresso, a direção exigiu dos oposicionistas que renunciassem às suas teses e as rejeitassem de forma explícita. Os que não aceitaram foram ainda condenados ao exílio interno. Foi o caso da maioria, entre os quais Rakovsky, Radek e Ievgueni Preobrajensky.

13. No começo de 1927, o Kuomintang (Partido Nacionalista) rompeu a aliança com o PC chinês e passou a atacar os comunistas, promovendo massacres em várias cidades. No meio do ano, o PC estava em frangalhos, com sua base urbana destruída e sua força militar reduzida e desgastada. A Oposição de Esquerda defendia uma retração que permitisse ao PC se recuperar, mas a 3ª Internacional, que impusera a aliança, deu um giro de 180 graus e ordenou que o PC promovesse levantes armados nas cidades. Em 11 de dezembro, cerca de 20 mil comunistas tomaram Cantão de surpresa e estabeleceram um soviete. Mal armados, acabaram esmagados pelas forças do Kuomintang três dias depois.

14. O dirigente do PC francês Jacques Doriot.

15. Publicada em 22 de dezembro.

16. O escritor americano Max Eastman, ativista de tendências socialistas. Esteve na URSS entre 1922 e 1924, onde se aproximou de Trotsky e acompanhou de perto as disputas internas do PC e a ascensão de Stalin. De volta aos EUA, tornou-se um crítico do regime stalinista e escreveu vários livros e artigos a respeito.

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